Sobre biscoitagem e carnaval pra gringo ver
Também sobre crente e incel, mas carnaval é MUITO mais legal
Querido diário, hoje não vou falar de Chat GPT. Hoje vou falar de preconceito (meu), de axé, de samba e de indústria do entretenimento.
Porque o Robson puxou minha orelha sem saber, quando disse que newsletter é compromisso.
Porque a Livia perguntou como foi meu carnaval e eu ainda não respondi.
Então salva aí que tem textão.
Não vai ter crente
(pelo menos não na minha casa)
Outro dia eu HITEI na rede social do cara que fez um foguete e comprou uma rede social (provavelmente para compensar piru pequeno) fazendo uma pequena sequência de tweets sobre como proteger suas crianças de pregação religiosa dentro de casa, que chega via algoritmo por redes sociais - partindo, é claro, do princípio que depois da pandemia a gente já pode assumir que criança vê TV mesmo, que tem SIM muito conteúdo massa de música e contação de histórias, mas que faz parte do job description do responsável (adivinha) ser responsável e monitorar o tempo todo o que aquela criança está vendo.
…pra ela não vir com papo estranho sobre ir pro inferno (papo pesadíssimo pra criança), “quem pecar vai morrer”, ou sobre um ser mitológico (que a gente nem sabe se existiu mesmo) consertando homenzinho torto, o que, na real, é uma imagem mental bem assustadora.
(esse dia foi foda)
País evangélico em 2032
A projeção de que o Brasil será um país de maioria evangélica lá por 2032 também é assustadora (https://apublica.org/2022/10/novo-brasil-evangelico-sera-desafio-para-o-governo-lula/), mas isso é preconceito meu. Existem correntes, como a batista (http://arte.folha.uol.com.br/graficos/cpjEW/), que não tentam te converter nem vêm com discurso de coach. O que me lembra que preciso te contar do que aconteceu no carnaval.
Tudo começou com meu aniversário de 45 anos
E a crise de meia idade, no momento, é aproveitar que ainda tenho saúde pra fazer certos programas que eu nunca tinha feito antes, tipo entrar num busão para ir a um festival de música de jovem ou ver um desfile do Grupo Especial das escolas de samba do Rio de Janeiro na Sapucaí, antes que eu não tenha mais lombar pra isso.
Agora a criança já dorme na casa do avô, agora eu recuperei saúde e disposição, então por que não?
Saúde e disposição:
E biscoitagem. Me segue no Instagram: https://www.instagram.com/liaamancio/
Mas antes do textão, informação:
Sobre incel, redpill, e isso tudo que você está lendo há semanas, mas a gente já acompanha há ANOS:
(eles só não citavam Matrix)
“Trans Panic is Projection: The only thing kids are being groomed for is the gender binary”:
Meanwhile, firearms remain the #1 killer of children. Girls and LGBTQ youth are experiencing “almost every type of violence more than [cis] boys.” Zero children have been killed by drag shows. Many lives have probably been saved by them, and many more made happier. Boys with progressive attitudes around gender are less likely to be violent, so it seems it would behoove them in particular to learn early about expansive gender expression.
André Forastieri relembra Carlos Eduardo Miranda:
Pronto.
Agora sente-se confortavelmente, porque a resenha da Sapucaí tá boa - E você pode ler aqui ou no blog.
Ela não gostava de carnaval, ela
É, eu sei. Desde aquele dia em 1981 que me assustei com um lesk vestido de bate-bola que eu não quero saber de carnaval.
Meu pai tentou. Me levava para o carnaval de rua do bairro. Quente, gente pacaralho, música alta, zero graça.
Eu também tentei. Não gosto de muvuca, não me sinto confortável em ambientes que não dá pra conversar, sentar, nunca fui de beijar na boca de desconhecido, ia fazer o quê em bloco? Até tentei em 2009, estava quase gostando desses blocos menores, menos bombados, mas aí emendei um casamento no outro, e depois um bebê, uma pandemia, e meu sonho de ser uma pessoa normal que curte carnaval foi pro caralho.
Mas Sapucaí era uma daquelas experiências que a pessoa TEM QUE viver uma vez na vida - especialmente se você, como eu, é “esse povo de indústria cultural e entretenimento”. E era agora ou sabe-se lá se a lombar ou a criança não vão me deixar ir de novo.
Eu tinha o maior preconceito com Sapucaí - "ensaiado, para gringo ver, zero espontaneidade". Como tinha o maior preconceito com dança de salão e encontrei minha vida nela, como tinha o maior preconceito com evangélico e na real continuo tendo.
Cheguei no escuro, sem saber nenhum enredo, nenhum samba, só sabia que naquele dia veria Império Serrano, Acadêmicos do Grande Rio, Mocidade Independente de Padre Miguel, Unidos da Tijuca, Acadêmicos do Salgueiro e Estação Primeira de Mangueira.
E o que vi foi uma ESPETACULAR celebração da cultura brasileira e africana. O que vi foi uma GRANDE festa de santo para milhões de pessoas, com apoio do poder público.
Em tempos de intolerância e marketing multinivel religioso, um evento desses no mainstream é, sim, resistência.
Tá com tempo? Se não tiver, salva pra ler depois.
Nunca prestei muita atenção no Império Serrano, mas:
1, foi meu PRIMEIRO contato com aquela OSTENTAÇÃO do grupo especial, então me impressionou
2, no grupo de amigos estava a Michele, que é Imperiana de carteirinha e coração. E foi impossível não me deixar contagiar pela empolgação daquela mulher
3, homenagear Arlindo Cruz foi bonito
Firma na palma da mão, tem alujá e agogô
Imperio Serrano, falange de Jorge, no oxê de Xangô
Laroyê, èpa babá, há de roncar meu tambor
O verso de Arlindo, poema infindo, morada do amor
o trabalho dos carnavalescos pra construir os enredos e meter religiões afrobrasileiras em QUALQUER tema também é muito bom. Esses caras sabem bem o que fazem. Me pareceu que tem um componente forte de "ou é isso ou deixar nossa comunidade ser convertida pela igreja".
Até aí eu tava meio cheia do distanciamento crítico. Então entrou a Grande Rio. A comissão de frente vem com uma alegoriazinha com um barzinho e um são jorginho, pensei “ow, fofo, mas nunca serão Império Serrano”
Eis que aparece o Abre Alas da Grande Rio com um CARROSSEL de São Jorge SURRA DE OGUM NA AVENIDA é pra isso que eu nasci no Brasil
Então veio o carro de Cosme, Damião e Doum e aí caiu a ficha
CARALHO, ESSA PORRA É OFERENDA, EU TO NA MAIOR FESTA DE SANTO DO BRASIL tá todo mundo cantando ponto e os caralho
Chorei emocionada mermo, fodace.
Passou a Grande Rio e eu já estava totalmente SAPUCAIZADA, começou a bater um cansaço mas impossível dormir naquelas condições. Desfile monocromático conceitual da Mocidade não me animou muito (mas o forrozin no meio do samba ficou gostoso), pensei “É na Unidos da Tijuca que eu durmo” e aí eles me abrem com uma
GUITARRA BAIANA
Sim, meus foliões: fui pro desfile no Rio, levei axé na cara, EXTREME CARNAVAL EXPERIENCE e o povo todo cantando
Iluayê toca o sino da igrejinha
Ilêayê atabaques e agogôs
Pra louvar meu Santo Antônio
Pra saudar meu pai Xangô (kaô meu pai kaô)
E eu pensando na tal projeção do Brasil evangélico em 2032 e vendo aquilo e pensando naquele monte de branquela zona sul de tiara fazendo bloco clandestino na pandemia ano passado e falando “uhul, é resistência”, e não, gente: resistência é isso.
(e eu estava no setor popular, que me parece ser o MELHOR lugar pra assistir ao desfile)
Então
Tudo
Ficou
Vermelho
e se tem uma coisa que o Salgueiro conseguiu foi levantar a mamacita aqui àquela hora da madrugada.
Isso aqui é fan service: teve hino, grito de torcida, MELHOR LARGADA, sério. Assiste isso:
Vou chamar o meu Salgueirooooooo
A bateria mais famosaaaaaa
Sou malandro batuqueirooooooo
ARREPIA, FURIOSA
(tá, eu sei que vermelho é a cor da escola, mas “delírios de um paraíso vermelho”, falar de "Bendita redenção / Os excluídos libertando suas dores / Embarque pro renascer dos seus valores / Basta de violência e opressão / Chega de intolerância" me pareceu correto.
E teve o carro do Bolsonaro, quer dizer, do Belzebu. Pra mim, a mensagem foi bem clara.
Por fim, a Mangueira.
O desfile foi maravilhoso? Foi. Mas eu acho que você tem que ver esse vídeo da Margareth Menezes (que desfilou na escola) cantando o samba da Mangueira.
Roda o VT:
Essa mulher é a nossa ministra da Cultura. Só queria lembrar isso. Que nós temos uma ministra da Cultura que entende o significado de cultura.
Bom, no final já tava todo mundo cantando, dançando, tomando a benção das senhorinhas que saíam do desfile direto pra arquibancada, o sol nascendo, o dia raiando, a Mangueira entrando, o sono não vinha, e dois dias depois quarentaecinquei em plena terça de carnaval.
Se ano que vem tem mais?
Claro que tem mais.
Se semana que vem tem mais newsletter?
Num sei. Duas em duas semanas tá bom, não? Vamos ver. Vamos ver.
Se você chegou aqui DO NADA, assine a newsletter no Substack para receber os textos do blog diretamente em sua caixa postal.
Beijo e boa semana!
Ah, finalmente! Eu estava querendo mesmo ler as suas impressões sobre a Sapucaí! 😊 E ficou ainda mais interessante depois que você escreveu sobre o porque não é uma pessoa de carnaval. A passarela do samba parece ter uma uma magia mesmo.